O ano era 2006, a idade era 15. Não sei ao certo, talvez
tenha sido o pior ano da vida dela.
Ela parecia ter tudo, mas no fundo não tinha muita coisa.
Pais separados e aquela indecisão. Cidade errada, hora errada, vida errada.
A
mãe era presença rara em casa, o pai então nem se fala. Todos fingindo se
importar e tudo o que ela queria era estar em outro lugar, sozinha. O sorriso era
tímido e o olhar era frio. As mãos sempre suadas e geladas, uma aparência que
refletia sua vida conturbada. Roupas pretas, olhos marcados e cabelo cumprido.
Na escuridão absoluta, a menina seguia em frente. Mesmo sem enxergar direito,
ela iluminava seu caminho como podia.
Os amigos eram escassos. Nunca teve alguém para compartilhar
certos assuntos e acabou se tornando egoísta. Afinal, ninguém se importava. Eram
sempre as mesmas perguntas com as mesmas respostas. Ela ficou muito tempo
naquele ciclo errado, com as pessoas erradas, com razões erradas no lugar
errado. Os sinais a levando pra qualquer lugar. Ela não se importava, se
ninguém se importasse.
O cenário era carente de conversas, a televisão e o rádio
eram suas melhores companhias. De vez em quando se ouvia uma batida de porta
furiosa ou um choro abafado. Horas e horas acordada, pensando de cabeça vazia.
Cansaço infinito, olhos de ressaca. Gostava de escrever e despertou certo gosto
pela leitura. Diversas vezes, expressou no papel o que estava sentindo. Era
como libertar o seu demônio interior e acalmar o coração.
O quarto era simples: uma escrivaninha, um espelho, uma
cama, um guarda-roupa, um rádio e uma televisão. Não possuía bichinhos de pelúcia nem mimos. E era ali que ela gostava de
passar a maior parte do tempo, pensando se algum dia tudo iria acabar.
Já não acreditava em Deus ou algo parecido, saía à noite
vagando pelas ruas sem medo. O vento aliviava as feridas escondidas embaixo das
mangas e levava tudo embora. A raiva, o medo, o vidro quebrado, o braço
marcado. No rádio, músicas que falavam por ela. Palavras fortes e que podiam traduzir o sentimento angustiante.
Passou diversas noites acompanhada pelo som baixinho do
rádio, um piano singelo, uma voz doce. Às vezes ela preferia o silêncio ou até
mesmo um filme mudo de madrugada. A companhia que ela realmente queria estava
lá fora em algum lugar, em qualquer canto, menos ali. Essa vontade de querer e
não poder... Dói.
Sentada na calçada, ela observava as pessoas indo e vindo.
Passeando, correndo, sorrindo. A mente dela já não conseguia mais entender os
mais simples sinais de vida humana. Era tudo tão surreal, irreal e falso. Será
que estava ficando louca? Ela estava machucada demais para perguntar-se.
Certa noite acordou assustada, respirar era difícil. Seus
pés não conseguiam tocar o chão e seu coração batia forte. Parecia o fim de
tudo. Simplesmente o fim. Com os olhos ainda fechados, uma voz sussurrou em seu
ouvido “não desista, respire fundo”. E então ela abriu os olhos e respirou. Tão
fundo que podia sentir o sangue em suas veias novamente.
A menina começou uma nova vida. Lembrou-se da criança que
ainda vive dentro dela. O olhar inocente, o sorriso verdadeiro e os sonhos
brilhantes. Não poderia terminar ali...
Ela cansou de implorar, parou de se machucar por aqueles que
não se importavam. Fechou o capítulo escuro, rabiscado e começou a preencher
suas folhas em branco.
O pesadelo teve fim. Novos ares, novas pessoas, novos
sentimentos. Talvez ela estivesse doente e fraca demais para acreditar.
As páginas antigas estão amassadas, talvez amareladas pelo tempo,
mas nunca foram esquecidas...